Um visitante surpreendente
Oumumua Nasa/ESA Lembra que mais ou menos 8 meses atrás eu falei aqui sobre um visitante interestelar que passou pelo nosso Sistema Solar? A história completa você pode ver aqui. Em resumo, um asteroide com forma de charuto e com 400 metros de comprimento, fez uma passagem rápida pelo Sistema Solar. As características de sua órbita, combinadas com sua alta velocidade, levaram os astrônomos do mundo inteiro a concluir que se tratava de um asteroide formado em outro sistema estelar e que fez uma passagem rápida por aqui. O asteroide ganhou o nome de Oumuamua (algo como batedor ou explorador na língua havaiana), mas tem a designação oficial de 1l/Oumuamua. De tão sensacional a descoberta, muita gente cogitou em lançar uma sonda tosca, basicamente uma câmera com antena de rádio, para tirar imagens do objeto mais de perto. Mas a ideia não vingou, pois fazer uma coisa dessas não é tão fácil quanto nos filmes. Sem sonda, o jeito foi usar todos os principais telescópios da Terra e fora dela para acompanhar o visitante. E os resultados dessa vigília estão sendo publicados essa semana na revista Science, de tão interessantes. O trabalho liderado por Marco Micheli, da Agência Espacial Europeia, mostra que Oumuamua está saindo do Sistema Solar mais rápido do que deveria! Sim, o asteroide está sendo empurrado para fora do nosso sistema planetário. Vindo do espaço profundo, Oumuamua foi capturado pela força gravitacional do Sol e com isso foi atraído para o nosso sistema. Sua velocidade, claro, foi aumentando até fazer sua máxima aproximação com o Sol, que aconteceu dia 09 de setembro do ano passado. Depois de fazer uma curva de quase 90 graus, o asteroide começou a deixar o Sistema Solar. Nessa fase a gravidade do Sol age de forma inversa, ou seja, desacelerando o asteroide. O time de Micheli, além de tentar tirar alguma informação da composição do asteroide, mediu com precisão a posição e a velocidade do asteroide nessa trajetória de escape. A surpresa veio quando Micheli e seus colaboradores viram que Oumuamua estava sempre “adiantado” em relação às posições previstas pela mecânica orbital. Em princípio, seria só o caso de calcular a influência da gravidade do Sol na velocidade do asteroide, que é a de diminui-la. Mas uma medida precisa da velocidade e da posição de Oumuamua necessita que se coloque também a influência dos planetas do Sistema Solar, principalmente os gigantes Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, bem como outros efeitos como a pressão da radiação solar. Mesmo com tudo isso somado, ainda assim Oumumua estava mais adiante da posição prevista, ou seja, mais rápido do que deveria. E agora? Isso não é exatamente uma novidade para objetos do Sistema Solar, só que de outra categoria: os cometas! Esse comportamento de alteração de velocidade é observado em cometas e não de asteroides. Quando eles se aproximam do Sol, e não precisa ser muito, basta chegaram na órbita de Júpiter, a radiação solar aquece o núcleo dos cometas. Como eles são compostos por material muito volátil, isto é, muito gelo de água, metano e gás carbônico por exemplo, eles vaporizam rapidamente. Muitas vezes eles chegam até a formar jatos que agem como foguetes. Se os jatos estão na direção do movimento, o núcleo acelera. Se estão na direção oposta ao movimento, o núcleo desacelera. Outros efeitos também incluem fazer o núcleo girar e até mesmo um desviar de sua órbita. Outro efeito do aquecimento, digamos, mais suave é a simples evaporação do núcleo, como a gente vê numa pedra de gelo seco. É um processo suave, que contribui muito pouco para aumentar a velocidade, mas isso acontece de forma contínua. No fim, o efeito total pode ser detectado. Como consequência, Oumumua seria reclassificado como um cometa, como se imaginava quando foi descoberto, mas tem um probleminha nisso. Quando núcleos de cometas do nosso Sistema Solar se evaporam, mesmo que de maneira suave, sem jatos, ele expele grande quantidades de poeira. Além disso, há a formação de cauda e uma nuvem que cerca o núcleo, chamada de coma. Nada disso foi observado em Oumumua, nem mesmo com o Hubble. E o que dizem Micheli e colaboradores? É possível que a poeira presente no núcleo do cometa tenha tamanho maior do que a poeira observada em cometas locais, ou mesmo que a quantidade de poeira em relação a quantidade de gelo seja menor em Oumuamua. As duas hipóteses fariam com que a poeira expelida do núcleo, mesmo que existisse, não fosse detectada. O artigo de Micheli e colaboradores pontua que não só a relação entre poeira e gelo e o próprio tamanho da poeira devem diferentes dos valores observados para cometas do Sistema Solar, mas também a própria composição química de Oumuamua deve ser diferente. O artigo termina dizendo que apenas uma sonda que possa investigar o objeto no local é que pode dar respostas definitivas sobre sua natureza e suas propriedades físicas. Como isso está mais para Hollywood do que para a NASA, o jeito é trabalhar daqui da Terra mesmo.
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