Decisão de não sediar a COP 25 pode ajudar a comprometer economicamente o país


Do orgulho à vergonha. Esta é a sensação dos ambientalistas diante da decisão do presidente eleito Jair Bolsonaro de não sediar a próxima Conferência do Clima, a COP 25. O Brasil tinha se colocado na lista entre os países que queriam abrir suas portas para o encontro, que debate internacionalmente um dos maiores desafios que a humanidade já tem e terá ainda com mais força daqui para a frente, que são as mudanças climáticas. Mas o Itamaraty retirou o nome do país da lista e Bolsonaro avisou: a decisão foi minha. E será com vergonha que os representantes brasileiros vão dar a notícia na reunião internacional do clima que vai começar na próxima segunda-feira (1), na Polônia, a COP 24. Por que tínhamos orgulho? Porque durante os governos de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma, havia um consenso de que a questão do meio ambiente é uma oportunidade, que dá voz ativa ao país, projeta o nome internacionalmente, dá importância onde se tem pouco espaço de crescimento, que são esses fóruns internacionais. Foi na Rio-92, evento que até mesmo quem não é ligado à área traz vivo na lembrança, que o mundo começou a debater sobre a necessidade de se baixar as emissões de carbono. Durante a COP-15, que aconteceu em Copenhague em 2009, em que se esperava que os líderes conseguissem um acordo climático global que só foi conseguido seis anos depois, o ex-presidente Lula e seu ministro do Meio Ambiente Carlos Minc eram aguardados pelos negociadores como figuras de prestígio na área, que poderiam ajudar a mediar os debates. São cenas que contrastam com o que temos agora, momento de vergonha para os brasileiros na área ambiental. Conversei com Marcio Astrini, Coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, antes de ele embarcar para a Polônia, na cidade de Katowice, onde vai acontecer a reunião a partir de segunda-feira. Para ele, o fato de não hospedarmos a próxima cúpula é o primeiro tijolo no muro da vergonha que o presidente eleito está construindo na área ambiental. “É a primeira medida concreta. Ao longo do tempo, se ele continuar a realizar esses retrocessos todos que prometeu durante a campanha, aí vai criar um comprometimento sério da imagem do Brasil nessa área. Porque o Brasil tem um vínculo muito forte na questão do meio ambiente e negócios da agropecuária no exterior. Quem compra os nossos produtos não quer que eles tenham vínculo com desmatamento, trabalho escravo e violência na terra porque isso mancha a própria imagem de quem está comprando. Essa sequencia de más notícias que ele vai dar na agenda ambiental no governo dele vai trazer essa consequência econômica”, disse Astrini. Os representantes brasileiros chegarão à Polônia com três notícias muito ruins na área ambiental do país. Além desta, de que não hospedará mais a COP 25, há também o aumento do desmatamento e a nomeação de um ministro na área de relações internacionais, Ernesto Araújo, que acha que o problema climático é uma invenção de marxistas que querem dominar o mundo e a mente das pessoas “É o conjunto de fatos, não é uma coisa só. O comprador não vai quebrar o contrato só por causa do aumento do desmatamento, ou só porque não vamos sediar mais a cúpula ou só por causa da indicação do ministro. Mas tudo isso vai destruindo o que o Brasil construiu como garantia ambiental para os seus negócios lá fora”, disse Marcio Astrini. Fã ardoroso do presidente Donald Trump — que também já se autointitulou um cético do clima, nomeou pessoas com igual ojeriza às questões ambientais para administrar a pasta e retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris — Bolsonaro talvez não tenha percebido as diferenças fortes que há entre os dois países nesta área. O maior nó dos norte-americanos com relação às emissões é sua fonte de energia, portanto recai sobre o setor da indústria. Aqui no Brasil, nosso maior problema é o desmatamento. Trump enfrentou uma reação forte internamente, não só por parte da população, como dos Estados e das empresas, o que acabou esvaziando um pouco a decisão dele. Tanto que o todo-poderoso já está revendo a saída do Acordo. No Brasil, os estados não teriam esta reação, nem poderiam. A luta contra o desmatamento tem que partir do governo federal, porque os incentivos para o desmatamento também partem dele, na opinião de Astrini. “O nosso grande problema do clima é o desmatamento da Amazônia, é o que se precisa resolver para dar conta das promessas feitas no Acordo. A esperança nossa é que justamente o governo federal ajudasse, criando leis mais enérgicas, porque todas as leis deste campo são federais. Quando o governo federal retira a disposição dele de agir, os estados não têm condição de dizer que agirão sozinhos, mesmo que quisessem. O pior é que eles não querem. O atual governador do Mato Grosso, Pedro Taques (PSDB), há três anos fez um decreto liberando o uso de correntão. Grande parte do poder desses estados é constituído pelo desmatamento. Só no Pará, a indústria da madeira movimenta R$ 4, 5 bilhões. E 90% da exploração de madeira no Pará é ilegal”, disse Marcio Astrini. Não temos, como se vê, muita saída. Será um período em que os ambientalistas precisarão usar todas as suas ferramentas para exercer uma resistência a decisões de um governo que tem mandado mensagens claras, mesmo antes de tomar posse, de que o meio ambiente não é assunto com o qual ele vai querer se preocupar. Mesmo que isso nos traga, entre outras coisas, prejuízos econômicos. E nosso protagonismo internacional neste setor, que já foi motivo de orgulho, de agora em diante será objeto de vergonha. Durante a realização do evento lá na Polônia estarei a postos para passar as informações aos leitores. Sigamos em frente. Amélia Gonzalez Arte/G1

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