O que se aprende num café cujo tema é a morte


O objetivo das reuniões é falar sobre a finitude, que faz parte da vida de todos nós O Death Café foi idealizado pelo sociólogo e antropólogo suíço Bernard Cretazz, em 2004. Foi ele que cunhou a expressão “sigilo tirânico” para descrever o medo e a rejeição que a maioria tem de falar sobre a morte. Por isso, o objetivo das reuniões é conversar sobre a finitude, que faz parte da vida de todos nós. Elas são realizadas em dezenas de países; no Brasil, esses encontros mensais já acontecem em São Paulo e Belo Horizonte, entre outras cidades. No Rio, o Death Café só chegou em janeiro deste ano, graças ao empenho dos cinco organizadores: o geriatra Filipe Gusman; as psicólogas Joana Cés de Souza Dantas, Juliana Mattos e Mayla Cosmo; e Roberto Palmeira, diretor de sonhos do Instituto Rope, entidade que se propõe a realizar os desejos de pessoas gravemente enfermas. No último sábado, participei da sua quarta edição, que reuniu cerca de 30 pessoas num café no Leblon, na Zona Sul carioca. Da esquerda para a direita, Roberto Palmeira, Joana Cés, Filipe Gusman e Mayla Cosmo, organizadores do Death Café Mariza Tavares O evento não tem fins comerciais ou lucrativos. Não tem proposta terapêutica. Não está ligado a qualquer instituição. Café e bolo são oferecidos aos participantes, como se fazia com as visitas quando eu era criança. Todos são bem-vindos e convidados a compartilhar os motivos que os trouxeram ali, mas há quem apenas escute. Uma médica conta que levou o pai, que sofre de doença grave, para casa, para poder estar perto dos familiares no fim da vida. Relata que alguns colegas a criticam por expor os filhos, ainda crianças, ao sofrimento e à morte. O caçula não pensa assim. Ao saber que o avô não viverá muito, disse para a mãe: “a gente vai cuidar bastante dele”. Uma mulher perdeu o filho de 16 anos, vítima de atropelamento. “Nos quatro dias em que ele ficou no CTI, os médicos fugiam de mim para não ter que me dar notícias. Eu só queria que um deles me olhasse nos olhos e dissesse: ‘estamos tentando fazer tudo o que é possível para salvar seu filho’. Quando me procuraram para que eu autorizasse a doação dos órgãos, também foi de uma forma despreparada. Afinal, qual é o cuidado paliativo para a família cujo ente querido está em coma?”, questiona. Outra mãe compartilha seu relato de dor: o filho de 2 anos e meio morreu há cinco meses. Ela se choca com a reação de pessoas à sua volta: algumas se afastaram e outras parecem escandalizadas quando diz que está tentando retomar sua vida. Bolo do Death Café Carioca que é servido aos participantes Mariza Tavares Os médicos presentes reconhecem: não se discute a morte nas faculdades de medicina. Um deles conta que sua mãe morreu na mesa de cirurgia e a família decidiu poupar a avó, de 90 anos, da emoção da despedida. “Foi um erro”, lamenta, “porque ela não teve o direito ao luto. Viveu mais 12 anos, mas se fechou sobre o assunto, nunca se referia à filha”. A professora de enfermagem diz que está sempre em busca de ferramentas para ajudar os alunos a tratar das questões relacionadas ao fim da vida: “lidar com o corpo da pessoa que morreu é tarefa da enfermagem, mas muitos se sentem desconfortáveis. No entanto, preparar esse corpo para que a família se despeça é o primeiro passo para o processo de luto”. Filipe Gusman, que é vice-presidente da Regional Sudeste da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, trabalha nessa área desde 2011 e afirma que o Death Café “faz todo sentido em relação às demais atividades que exerço”. Ele alerta para o déficit de geriatras no Brasil, principalmente “porque o país nem sequer chegou ao seu ápice de envelhecimento da população”, e enfatiza a necessidade de se ampliar a discussão. Explica que os encontros não têm um roteiro rígido: “a conversa deve fluir de acordo com a necessidade das pessoas falarem”. São muitos os depoimentos, mas todos desaguam numa constatação: é importante viver com dignidade até o fim, e garantir que isso aconteça a todos que nos rodeiam. Em maio haverá nova reunião e quem quiser participar pode checar a data na página do Death Café Carioca. Em São Paulo, no endereço Death Café Sampa; e, em BH, Death Café Belo Horizonte.

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