Estudo da Fiocruz sobre uso de drogas no Brasil é censurado

Ministério da Justiça discorda de metodologia usada; Fundação afirma que cumpriu todas as exigências do edital. Governo censura pesquisa da Fiocruz sobre uso de drogas no Brasil Um levantamento sobre o uso de drogas pela população brasileira feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) a pedido do Ministério da Justiça foi censurado. O ministério discorda da metodologia utilizada e afirma que só autorizará a publicação se houver mudança no título da pesquisa e se o nome da pasta não for citado. A Fiocruz afirma que cumpriu todas as exigências do edital. Financiada pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), órgão do Ministério da Justiça, a pesquisa ouviu mais de 16 mil pessoas. Ao todo, 500 profissionais de diferentes áreas – entrevistadores de campo, pesquisadores da área de epidemiologia e estatística – participaram do trabalho, realizado entre 2014 e 2017. O orçamento para fazer o estudo, chamado "Terceiro levantamento nacional sobre o uso de drogas pela população brasileira", era de R$ 8 milhões. A Fiocruz informou que gastou R$ 7 milhões e devolveu ao governo R$ 1 milhão. Estudo da Fiocruz sobre uso de drogas feito a pedido do Ministério da Justiça é censurado Segundo fontes ouvidas pela TV Globo, a pesquisa mostra que 9,9% dos brasileiros entre 12 e 75 anos experimentaram alguma droga ilícita na vida. O IBGE não tem o número exato da população nessa faixa etária. A TV Globo apurou que a conclusão da pesquisa é de que não existe uma epidemia do uso de drogas no Brasil. O ministro da Cidadania, Osmar Terra, vem contestando os resultados do estudo, que deveriam ter sido divulgados em 2017. No início de maio, numa entrevista à GloboNews, ele colocou em xeque a credibilidade da Fiocruz. “A Fiocruz tem viés de defender a liberação das drogas. A Fiocruz trabalha há muitos anos para provar que não é problema o consumo de drogas. E a Fiocruz tem um papel extraordinário nas pesquisas sobre vacinas, sobre medicamentos. Mas, infelizmente, na área de pesquisa sobre drogas é um grupo totalmente comprometido com a liberação, que quer mostrar que não tem epidemia”, disse. A professora Andrea Gallassi, coordenadora do Centro de Referência Sobre Drogas da Universidade de Brasília, discorda. Ela afirma que o levantamento da Fiocruz foi feito seguindo rigorosamente normas científicas e que a censura atrapalha a elaboração de políticas públicas. “Não vivemos uma epidemia do uso de drogas, tivemos um pequeno aumento do uso de álcool, a partir dos dados dessa pesquisa. E o que a gente tem hoje, então, é um cenário de uso que não surpreende a comunidade científica, uma vez que é um cenário mais ou menos esperado (...) E, portanto, não tem por que, não existe razão, a não ser uma razão ideológica do governo, em negar a divulgação desses dados. Sendo que foi uma pesquisa conduzida, contratada por uma instituição e paga com recurso público”, afirmou. Numa rede social, o ministro Osmar Terra escreveu nesta quarta (29) que a pesquisa não cumpriu o solicitado no edital. Alegou que "ele pedia que [a pesquisa] fosse passível de comparação com as anteriores", feitas em 2001 e 2005. E disse que a Fiocruz "não está proibida de divulgar" o estudo. O Ministério da Justiça de Sérgio Moro informou, em nota, que a metodologia usada na pesquisa impede a comparação dos resultados com o primeiro e o segundo levantamentos, como era exigido no edital. Em um ofício enviado no dia 2 de abril à Fundação Oswaldo Cruz, o Ministério da Justiça afirmou que, por este motivo, a publicação das informações ali contidas "prescinde" – não depende – de autorização do Ministério, contanto observado que a pasta não seja citada e que o título do estudo seja editado. Em nota, a Fiocruz rebateu o governo. Disse que todos os critérios solicitados (no edital) foram devidamente atendidos: “Que o levantamento que fez é mais amplo do que os anteriores. E usou o mesmo plano amostral adotado pelo IBGE para a realização da pesquisa nacional por amostra de domicílio, o que permite um cruzamento desses resultados com dados oficiais do país”. A Fiocruz ponderou também que houve mudanças na demografia do país “desde as últimas pesquisas e nos critérios adotados para classificação de dependência". Por isso, uma "comparação dos dados atuais com os anteriores não poderia ser feita de maneira simplista e direta, mas sim a partir de análises estatísticas específicas". A Fiocruz disse que entregou "análises comparativas que utilizaram três abordagens diferentes". A Fundação afirmou que continuará respeitando o edital e tornará público o relatório apenas após a "anuência" — autorização — do Ministério da Justiça. Fontes ouvidas pela TV Globo informaram que a Fiocruz tem o receio de que, ao divulgar a pesquisa sem a chancela do governo, fique caracterizado quebra de contrato e a instituição seja obrigada a devolver os R$ 7 milhões que gastou com o estudo. A Fiocruz e o Ministério da Justiça pediram que a Câmara de Conciliação da Advocacia-Geral da União resolva o impasse em torno da pesquisa. A AGU é responsável por mediar conflitos entre órgãos públicos federais. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência se manifestou em defesa da Fiocruz. Disse que a pesquisa é extremamente completa, com uma amostragem muito ampla de grandes e pequenas cidades. E considera "deplorável" que o governo não reconheça os dados científicos produzidos a seu pedido por uma instituição centenária e pioneira neste e em outros aspectos. A Fiocruz ainda não comentou as declarações do ministro Osmar Terra de que a fundação tem o "viés de defender a liberação das drogas". Segundo a Fiocruz, essa conciliação ainda não foi marcada. A advocacia geral da união não se pronunciou. O desentendimento foi parar na Advocacia Geral da União (AGU). A Fiocruz e o Ministério da Justiça pediram que a Câmara de Conciliação da AGU resolva o impasse em torno da pesquisa – o órgão é responsável por mediar conflitos entre órgãos públicos federais. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência se manifestou em defesa da Fiocruz. Disse que a pesquisa é "externamente completa, numa amostragem muito ampla de grandes cidades, pequenas cidades", e que "é deplorável que o governo não reconheça dados científicos produzidos a seu pedido por uma instituição centenária e pioneira, referência neste e em vários outros aspectos".

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