Uma conversa sobre o tempo que acaba em playlist
Novo livro de Arthur Dapieve espelha sua trajetória através de crônicas sobre a música No início deste mês, o jornalista Arthur Dapieve lançou “Do rock ao clássico: cem crônicas afetivas sobre música”. Seu 11º. livro é fruto de uma cuidadosa garimpagem dos 25 anos como colunista do jornal “O Globo”, entre 1993 e 2018, e acaba espelhando sua trajetória pessoal. Afinal ele próprio passou pelo punk, mergulhou no rock, saboreou o jazz e a bossa nova e hoje é um amante dos clássicos. Como este blog é sobre longevidade, nada mais natural que a conversa com o autor fosse sobre a passagem do tempo. Arthur Dapieve, autor de “Do rock ao clássico: cem crônicas afetivas sobre música" Acervo pessoal “Um quarto de século é um bocado de tempo”, diz. “Em termos de Brasil, os textos começam no período do Plano Real, no governo Itamar Franco, mas são também derivados da maior abertura do país, iniciada no governo de Fernando Collor. No mundo, em 1994, o presidente americano era Bill Clinton! Quanta diferença... Acho que não tinha como ser diferente comigo. Nenhum homem se banha duas vezes no mesmo rio, não é mesmo? E nenhum rio banha novamente o mesmo homem. Em 1994, eu usava camisa de flanela xadrez e bermudão, na onda do grunge de Seattle, e hoje me sinto muito mais confortável de calça comprida e camisa social discreta. Minha filha era um bebê, hoje é uma advogada... Há uma expressão em inglês que eu adoro e temo: ‘act your age’, isto é, aja de acordo com sua idade. Tenho horror a parecer ou tentar parecer um tiozão tentando tirar onda de garotão. Sou um sujeito de meia-idade, ora bolas. Continuo escutando Pearl Jam ou Nirvana, mas hoje em dia as minhas maiores novidades estão no começo do século XX. Tenores italianos mortos, pianistas russos mortos são minhas grandes paixões musicais no momento. Aqueles sons que emergem do passado me encantam... Tem-se acesso a tudo por CDs, meus prediletos, ou streaming”, conta. Em 2009, quando escreveu “Conversa sobre o tempo”, reunindo os papos e “pensatas” de Luis Fernando Verissimo e Zuenir Ventura sobre amizade, família, paixões e morte, Dapieve ainda não tinha 50 anos. Agora, dez anos depois, quero saber o que ele que aprendeu e repensou sobre o curso da vida. “Quando entrevistei Verissimo e Zuenir para o livro, eu já suspeitava, mas agora tenho certeza: a vida passa rápido demais. Nos meus bons dias, acho péssimo. Nos meus maus dias, que são maioria, acho que está de bom tamanho assim. Dura o quanto tem de durar, e essa duração ‘mais rápida’ tem a ver com a proporção de cada ano em relação ao total. É matemático. Aos 25 anos, um ano era 1/25 da minha existência. Hoje, aos 55, um ano representa apenas 1/55. Outra coisa que passou a pesar muito foi a perda de amigos, familiares e entes queridos, o que, para mim, engloba meus gatos, naturalmente. Sinto-me um pouco como o personagem de Nicolas Cage em “Vivendo no limite”. No filme de Martin Scorsese, ele é um paramédico que enxerga os fantasmas de quem não conseguiu salvar nas ruas de Nova York. Para mim, quase cada esquina, cada botequim do Rio, cada canto da casa evoca uma lembrança dolorosa, sobretudo se tiver a ver com alguém que morreu cedo demais, na idade que tenho, por exemplo”, afirma. Para fechar, peço uma playlist para cada década que viveu: 1960, 70, 80, 90, 2000, 2010. Deixo a seu critério o gênero e Dapieve opta pelo rock. 1960: “My generation” (The Who) “When I’m sixty-four” (Beatles) “As time goes by” (Rolling Stones) “Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones” (Os Incríveis) “Por isso corro demais” (Roberto Carlos) 1970: “Five years” (David Bowie) “If you see her, say hello” (Bob Dylan) “God save the Queen” (Sex Pistols) “Ovelha negra” (Rita Lee) “Eu nasci há dez mil anos atrás” (Raul Seixas) 1980: “Inútil” (Ultraje a Rigor) “Você não soube me amar” (Blitz) “Infinita highway” (Engenheiros do Hawaii) “William, it was really nothing” (The Smiths) “Love will tear us apart” (Joy Division) 1990: “Vento no litoral” (Legião Urbana) “Lado B, lado A” (O Rappa) “O segundo sol” (Cássia Eller) “Smells like teen spirit” (Nirvana) “Elderly woman behind the counter in a small town” (Pearl Jam) 2000: “O vencedor” (Los Hermanos) “A vida é doce” (Lobão) “Não se preocupe comigo” (F.Ur.T.O., de Marcelo Yuka) “Hope there’s someone” (Antony and The Johnsons) “Prezlauerberg” (Beirut) 2010: “Quem são os animais?” (Titãs) “Apocalipse agora” (Capital Inicial) “Lonesome Street” (Blur) “Burn the witch” (Radiohead) “Jubillee Street” (Nick Cave)
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