Insensibilidade em relação aos velhos: efeito colateral da pandemia


Crise faz brotar compaixão e empatia, mas também demonstrações de intolerância e preconceito Um amigo meu que, se não fosse pelos cabelos brancos, não pareceria estar na casa dos 60, levava o cão para passear às seis da manhã quando ouviu o grito de um ciclista: “o que você está fazendo na rua? Vai pra casa, velho!”. Não se trata de cuidado, preocupação. É puro preconceito. Uma crise sem precedentes como a pandemia do novo coronavírus pode fazer brotar uma onda de compaixão e empatia, mas também abre as comportas da insensibilidade, da intolerância, da mesquinharia. Preconceito contra idosos: visão desumaniza indivíduos que trabalharam, deram sua contribuição à sociedade, formaram família e são pais, avós, amigos, colegas de trabalho Mariza Tavares Nas redes sociais, há exemplos de sobra em comentários mesquinhos como: “eles já iam morrer mesmo, eram velhos”. Ou “velhos estão ocupando espaço nos hospitais que deveriam ser usados para salvar os mais jovens”. Essa é uma visão que desumaniza os idosos, indivíduos que trabalharam, deram sua contribuição à sociedade, formaram família e são pais, avós, amigos, colegas de trabalho. Eles não compõem uma massa sem rosto, pertencem às nossas redes de afetos. O preconceito não é apenas brasileiro. Mês passado, foi divulgado um estudo do Centre for Ageing Better, na Grã-Bretanha, que mostra que os britânicos também discriminam os velhos. Pelo menos um em cada três idosos foi vítima do chamado ageísmo, que vem de ageism, em inglês – em português, usa-se o termo idadismo, que eu acho bem esquisito. O preconceito é uma combinação do que se pensa sobre a velhice, isto é, os estereótipos relacionados ao envelhecimento; de como as pessoas se sentem em relação à velhice, que engloba os preconceitos; e que tipo de comportamento resulta dessas ideias, ou seja, como a discriminação efetivamente acontece. Segundo a pesquisa, no ambiente corporativo, os mais velhos são vistos como profissionais com menor nível de desempenho e capacidade de aprendizado, que custam mais que os jovens; na área da saúde, são associados ao declínio físico; e, na mídia, expressões como “tsunami prateado” e “bomba-relógio demográfica” ajudam a cristalizar essa percepção negativa, impactando a autoestima e o bem-estar de quem está nessa faixa etária. Na entrevista que fiz recentemente com o geriatra Daniel Lima Azevedo, ele afirmou: “uma sociedade que não cuida de seus idosos é uma sociedade que perdeu suas referências”. É fundamental que não percamos isso de vista.

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