“Lembre-se de que, por causa da epidemia, seu médico trabalha sob estresse”


Diante do volume de atendimentos e ligações, geriatra sugere que, em vez de deixar mensagens de áudio, os pacientes anotem as dúvidas e telefonem O médico Daniel Lima Azevedo é geriatra, mestre em saúde coletiva pela UFRJ e atua na área de medicina paliativa. Coordena a residência médica em geriatria da Casa Gerontológica de Aeronáutica Brigadeiro Eduardo Ramos e, nas últimas semanas, por causa do novo coronavírus, sua rotina tornou-se frenética, como a da maioria dos profissionais de saúde. Ele respondeu às perguntas do blog por e-mail, pediu que os pacientes se lembrem de que os médicos também estão sob forte estresse e disse que o desafio será manter foco e serenidade para encarar os próximos meses. O geriatra Daniel Lima Azevedo é geriatra, mestre em saúde coletiva pela UFRJ e atua na área de medicina paliativa Acervo pessoal Geriatras cuidam de idosos, os pacientes mais vulneráveis diante do novo coronavírus. Como o senhor está vivendo o estresse dessa experiência e qual tem sido o sentimento preponderante entre seus colegas? Trabalho como médico em uma instituição de longa permanência do Comando da Aeronáutica, onde foram tomadas todas as medidas possíveis para reduzir o risco de contágio de pacientes e profissionais. A equipe encontra-se de prontidão e se comunica com frequência, a fim de checar resultados e rever as recomendações. Entre os profissionais de saúde, tão exigidos nas últimas semanas, o clima é de preocupação, mas também de solidariedade. Será um desafio manter foco e serenidade para encarar os próximos meses. O número de atendimentos, ligações e mensagens de WhatsApp é avassalador. Gostaria de contribuir com uma dica: se você é paciente e precisa falar com o seu médico, anote suas dúvidas e telefone. Faça isso preferencialmente em horário comercial, a menos que se trate de uma emergência. Lembre-se de que, por causa da epidemia, seu médico trabalha sob estresse constante e recebe mensagens ou telefonemas de muitos outros pacientes. Seja objetivo e coerente na ligação: priorize questões que demandam atenção imediata. Agir dessa forma facilita a comunicação e a resolução de problemas. Mensagens de áudio devem ser evitadas, sobretudo aquelas mais longas. Use o WhatsApp de forma consciente. Apesar da recomendação sobre a necessidade do isolamento dos idosos, sempre há o risco de contrair o vírus. No caso de um paciente com algum tipo de comprometimento cognitivo, como uma demência, há desafios adicionais no tratamento? Pacientes infectados com o vírus devem usar máscara para proteger as pessoas ao seu redor. Um paciente com demência terá dificuldade de compreender a indicação do uso da máscara e pode se tornar agressivo se um cuidador insistir em colocá-la. Esse é um desafio no tratamento dessa população especial. Outra questão relevante é que o paciente pode não entender as recomendações de hidratação ou uso de medicamentos para o tratamento da infecção. Mais uma vez, a demência se apresenta como uma doença desafiadora, que exige do profissional da saúde e dos cuidadores criatividade e paciência, num exercício de humanismo. Tem havido demonstrações de preconceito contra idosos, que estariam ocupando leitos dos mais jovens, como se devessem ser tratados como seres descartáveis. O que fazer para lutar contra esse tipo de comportamento? O preconceito contra idosos, denominado idadismo, não é uma novidade na sociedade ocidental contemporânea. A epidemia parece ter potencializado esse comportamento. Cabe enfatizar que pessoas idosas têm uma biografia que precisa ser respeitada e representam uma parcela importante da sociedade, que não pode jamais ser menosprezada. Uma vez que são o grupo mais vulnerável a infecções letais por coronavírus, devem ter prioridade em estratégias de prevenção e tratamento dessa doença tão devastadora. Destaco a atuação do gerontólogo Alexandre Kalache, incansável defensor da solidariedade de vizinhos e da atuação dos porteiros de prédios como protetores dos idosos. É uma forma de fazer com que eles se sintam mais seguros e valorizados. Uma sociedade que não cuida de seus idosos é uma sociedade que perdeu suas referências. O senhor acabou de lançar o livro “O melhor lugar para morrer”, no qual discute a questão da morte digna. Como explicaria esse conceito? Morte digna é uma construção social contemporânea que data da segunda metade do século XX e envolve a participação de diversos atores: o próprio paciente, seus familiares e profissionais da saúde. Ela acontece quando os desejos do paciente são respeitados, inclusive no que diz respeito à escolha do local da morte e das pessoas que participam dos cuidados. Além disso, depende do controle de qualquer sintoma que provoque desconforto, como dor ou falta de ar, e da resolução de pendências de ordem emocional, financeira ou espiritual. Na obra, o senhor também afirma que, entre escolher o hospital ou a própria casa para morrer, o que deve ser levado em conta é se o local tem recursos suficientes para lidar com as demandas dinâmicas do doente. Portanto, embora a maioria das pessoas demonstre preferência pela ideia de o desenlace ser em seu ambiente doméstico, essa também pode ser uma experiência bastante traumática para a família? Em minha pesquisa sobre a morte em casa, descobri que ela pode ter consequências ruins para o paciente e a família, sobretudo se faltarem os medicamentos adequados para aliviar os sintomas ao final da vida. Além disso, se não houver um profissional disponível para fornecer a declaração de óbito, a família pode ter dificuldade para a remoção do morto. Vale lembrar, também, que cuidar em casa de uma pessoa com doença grave, nos últimos dias ou semanas, pode requerer uma adaptação do ambiente, com introdução de cama hospitalar, uso de oxigênio e contratação de profissionais de enfermagem. Esse cuidado custa caro e não é acessível para a maior parcela da população. Nesse cenário de transformação do ambiente, será que o paciente ainda está em sua casa, ou se encontra em uma espécie de hospital improvisado? Uma conclusão é que, em casa ou no hospital, a pessoa continuará sujeita a imposições da biomedicina. O senhor relata sua própria experiência pessoal em relação ao fim de vida de sua avó. Poderia compartilhar o que aprendeu? Pergunta difícil... Ao acompanhar o final da vida de minha avó, aprendi que o processo de morrer tem escolhas difíceis, tomadas por pessoas em intenso pesar. Ficar em casa é possível, mas gera desafios e tensões. O discurso que promove a morte como um evento tranquilo é, para mim, vazio e sensacionalista.

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