“Os mais velhos não podem ficar em guetos”, afirma especialista
Pandemia mostra que modelo de instituições para idosos está em xeque A situação de vulnerabilidade na qual se encontram os idosos que vivem em instituições de longa permanência, como são conhecidas os antigos asilos ou casas de repouso, é outro dado sombrio no quadro da pandemia. No entanto, já há exemplos de alternativas para atender indivíduos que não têm condições de morar sozinhos. Esse foi o relato de Rebecca Jarvis, diretora de operações da Health Innovation Network do NHS, o equivalente ao SUS do Reino Unido, cujo objetivo é inovar no setor. “O foco em mudanças aumentou com a Covid-19, porque a pandemia mostrou que o modelo está defasado em relação às necessidades da sociedade. Os mais velhos não podem ficar em guetos”, afirmou no encontro “Longevity Leaders”, na semana passada. No Reino Unidos, o cenário é de precariedade: uma em cada seis instituições deste tipo está em risco de falência e há enorme dificuldade para recrutar e reter mão de obra, uma das mais mal pagas do país. Por isso mesmo, Rebecca buscou opções fora do padrão britânico, onde um em cada sete idosos acima dos 85 anos vive num dessas unidades. Com uma bolsa da Churchill Fellowship, visitou 18 estabelecimentos no Japão e na Nova Zelândia e tem certeza de que encontrou modelos mais funcionais, humanos e que podem ser replicados. Listou os elementos que diferenciavam os bons projetos: conexão com a comunidade, interação social, rede de proteção e planejamento antecipado. Vamos a eles. Silverwood Ginmoksuei, em Chiba, a 35 quilômetros de Tóquio: restaurante da instituição é aberto ao público e residentes podem trabalhar Divulgação Começando pelo Japão, país com 28% da população acima dos 65 anos e a previsão de o percentual chegar a 38% em 2050. Aberto em maio de 2019, a Silverwood Ginmoksuei, em Chiba, a 35 quilômetros de Tóquio, é um exemplo de estabelecimento integrado à comunidade. São cerca de 60 residentes, todos com limitações, físicas ou cognitivas, que os impedem de viver sozinhos. No entanto, o lugar mantém um restaurante especializado em shabu-shabu, uma espécie de cozido japonês, aberto ao público, e os idosos que têm condições e demonstram interesse trabalham ali. Depois do almoço, funciona no local uma lojinha de doces e guloseimas frequentada por estudantes – e é comum que as crianças ajudem os atendentes quando esses se atrapalham com o troco. Okagami, na cidade de Kanagawa, criou uma rede de proteção para idosos vulneráveis mas que continuam a viver em suas casas. Trata-se de uma unidade multifuncional, que funciona como um centro-dia, com atividades, e também oferece serviços, como banho para quem tem restrições de movimento. Dispõe ainda de seis quartos para pequenas temporadas. Rebecca conta que uma mulher nonagenária, que morava só, reservava a acomodação quando se sentia insegura, e ali ficava até recobrar a confiança. Selwyn Village, em Auckland, onde vivem 560 idosos: diferentes opções de moradia, de acordo com a independência de cada residente Divulgação Na Nova Zelândia, uma proporção significativa de idosos opta pelos retirement villages, os condomínios para aposentados: são 5.2% contra apenas 0.7% no Reino Unido. Rebecca enfatiza a importância da interação social em Selwyn Village, em Auckland, onde vivem 560 pessoas e há diferentes opções de moradia, de acordo com a independência e autonomia de cada um. Ou seja, se a saúde se deteriorar, não é preciso sair do lugar, porque há até uma ala para pacientes com demência em estágio avançado. Além de dispor de infraestrutura com serviços médicos, sobram amenidades, como café, sala de ginástica, cinema, cabeleireiro e mercado, entre outras. “O que os residentes mais valorizam é o senso de comunidade e a possibilidade de socializar e ter companhia”, ela conta. Sobre o planejamento antecipado, Rebecca diz que, normalmente, a maioria se muda para uma instituição durante uma crise: depois da morte de um cônjuge, ou após uma cirurgia ou enfermidade. “As decisões são tomadas no atropelo e nem sempre são as melhores. Na Nova Zelândia, a procura por esses condomínios ocorre mais cedo, quando as pessoas ainda estão ativas, e elas recebem apoio jurídico para conhecer seus direitos”, complementa. Para concluir, afirmou que é preciso uma nova agenda: “temos que aumentar o leque de opções e integrá-las à comunidade, para garantir o bem-estar dessa população”.
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