O prazer de ver os filhos envelhecerem


É tão comovente quanto poderosa a constatação de que cresceram e são capazes de lidar com as dificuldades que caracterizam a vida adulta Em tempos bicudos, essa é uma coluna sobre gratidão. Minha e, acredito, de todos os que, sortudos como eu, veem seus filhos envelhecerem. Escrevo sobre longevidade e, embora não seja obcecada pela morte, lido e convivo com a ideia da finitude – e sei que pensamentos e considerações a respeito do tema serão cada vez mais recorrentes. A morte deixa de ser um conceito remoto, embora seu horizonte ainda possa estar distante. O que torna qualquer reflexão sobre o tempo tão atraente quanto desafiadora. No entanto, esta não é uma coluna sobre mim, e sim sobre meu filho, que caminha na direção dos 40. Ele dirá que se trata de uma observação injusta, porque tem 37 anos, mas poderia lhe dizer que apenas ontem, ou anteontem, eu também tinha 37 ou 40. O simpático e envolvente filme francês “Meu bebê” retrata um pouco a armadilha do tempo no qual a maternidade está encerrada em eterno looping. Héloise (Sandrine Kiberlain), a protagonista, entra em crise quando a caçula dos três filhos, de 18 anos e a última a sair de casa, se prepara para estudar no Canadá. Para a mãe, as imagens da menina sempre se sobrepõem às da jovem mulher na iminência do voo solo. Cena do filme “Meu bebê”: mãe entra em crise quando descobre que a filha caçula vai sair de casa Divulgação Teimamos em vê-los como crianças, indefesos sem nossa proteção, como se tivéssemos algum tipo de poder mágico para remover os obstáculos do seu caminho. Por isso é tão comovente, e poderosa, a constatação de que cresceram – têm até cabelos brancos – e são seres capazes de lidar com as dificuldades que caracterizam a vida adulta. Tinha escrito “perfeitamente capazes”, mas essa é uma dimensão de difícil acesso mesmo para quem passou dos 60. Na interpretação do meu neto de 9 anos, seria uma espécie de fase do jogo que somente feras, hoje em dia os pro players, alcançam. Aliás, netos são outro presente, de magnitude estelar, que os filhos podem nos conceder. Mas não é sobre a paixão que avós e avôs alimentam por essas pequenas criaturas que quero falar, e sim sobre os nossos rebentos. Aqueles cujas febres nos deixaram sem dormir, cujas crises na adolescência nos levaram à beira da insanidade. De repente – porque há uma semana o primeiro dente tinha caído – eles passaram dos 30, dos 40, dos 50! Sobreviveram ao primeiro emprego, foram demitidos ou não, tentaram de novo, caíram e se aprumaram. Namoraram, romperam, casaram, descasaram e continuarão tentando encontrar um par. Criaram seu próprio território e às vezes fazem questão de nos manter fora dele. Desmemoriados, nos aborrecemos esquecendo que fazíamos o mesmo com nossos pais. Quando pequenos, quiseram ser médicos, bombeiros, professores, cientistas. Hoje talvez não sejam nem de longe o que imaginamos que seriam, mas esperamos ter contribuído para que tenham feito opções que lhes tragam reconhecimento e gratificação. De volta aos tempos bicudos que enfrentamos, onde há perdas, dor e insegurança, não mudou tanto: são eles que continuam nos dando um norte para seguir em frente.

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